1/14/2011

A INDISFARÇÁVEL INCOMODIDADE DE CAVACO

Foi bem visível a incomodidade de Cavaco perante o inegável sucesso – face ao que era apregoado como inevitável – da colocação da dívida pública a uma taxa de juros bem inferior à tida como inevitável.
Tão indisfarçável foi a sua incomodidade, que em vez de se regozijar pelo país, preferiu dizer que era preciso ver quem é que nos tinha comprado a dívida (a procura foi superior em mais de 3 vezes) e, não contente com a suspeição, alertou para a possibilidade de uma grave crise política a curto prazo.
Cavaco, foi tudo menos um Presidente da República que pugna por defender e puxar pelo seu país, para assumir o papel de chefe da 5ª coluna que pretende abrir caminho à entrada do FMI em Portugal. Cavaco, “lavou” todos os arrufos do passado que tinha com Passos Coelho e assumiu-se como o “padrinho” das fileiras dos nossos neo-liberais.
Mais grave ainda, Cavaco, ao assumir uma crise política, tentou objectivamente travar a onda de confiança manifestada pelos mercados na nossa economia e capacidade financeira. Tentou, travar o sucesso das próximas emissões de dívida pública.
Mas porque querem Cavaco e a direita o FMI em Portugal? Querem porque lhes falta coragem política para assumirem a sua própria ideia de modelo de governação económica. Querem o FMI, porque assim será mais fácil destruírem o modelo de Estado social que temos, para implementar um outro modelo, completamente desregulado e assente no “império” dos mais dotados e poderosos economicamente.
A enorme diferença entre eles e Sócrates e o PS, é que este governo, embora cometendo alguns erros, assume a responsabilidade pelas medidas duras, difíceis para todos, mas procura salvaguardar o Estado social. É por isso que corta salários, mas não despede, é por isso que implementa maior rigor no acesso ao Serviço Nacional de Saúde, ao subsídio de desemprego ou ao rendimento mínimo, mas não destrói esses princípios básicos de um Estado solidário e responsável.
Cavaco e a direita querem acabar com isto sem terem de pagar a despesa eleitoral. Sabem que as primeiras medidas do FMI, serão, para além de confirmar o que já está assumido por este governo, o de exigir milhares de despedimentos cegos na função pública, aniquilação do SNS, do Rendimento de Inserção, do Salário Mínimo e de ainda maior contenção no subsídio de desemprego e porventura, até mesmo retirada dos subsídios de férias e de Natal.
Mas ainda mais, o FMI exigirá aquilo que é a “cereja no topo do bolo” para toda a direita: a completa desregulação das leis de trabalho com a total liberalização dos despedimentos, como aliás há uns meses atrás tão candidamente o PSD propôs na sua versão de revisão constitucional.
É portanto por mera cobardia política que a direita quer o FMI. É que este implementará o seu programa em nome dela, dando-lhes a vantagem de não terem de as assumirem perante o povo português.
Cavaco, também se desdobrou em declarações exigindo mais despesa (apoio a empresas, ao ensino privado, subsídios, etc., etc.) e apelos genéricos à solidariedade com os mais pobres. Para além de ter revelado uma faceta populista, que em tempos apelidou de “má moeda”, não disse como iria arrecadar receita para tal em simultâneo com a necessidade de cumprir com o objectivo de eliminação de despesa pública.
Só se a solução for uma espécie de receita milagrosa de oferecer a todos acções a um euro, para depois lhes garantir no ano seguinte uma valorização de 140%.

11/26/2010

O OVO DA SERPENTE


Este é o título de um magnífico filme do grande cineasta sueco, Ingmar Bergman, que relata os últimos anos da democracia alemão – a República de Weimer – e a ascensão de Hitler e do nazismo ao poder.
Enquanto o regime democrata se debatia com uma crise económica profunda que lançava para a miséria a classe média do país e tornava os pobres ainda mais pobres, os partidos políticos, incapazes de estabelecer consensos, consumiam-se em profundas divisões, em querelas e acusações absurdas, derrubando-se governos, atrás de governos.
À sombra da miséria do povo, do descrédito dos políticos, o “ovo da serpente” medrava, encontrava conforto no desespero do povo e finalmente rebentou, permitindo que a serpente nazi se instalasse, dando origem ao primeiro regime totalitário da era moderna, porventura o mais tenebroso, pela cientificidade da sua malvadez.
Não será seguramente a mesma serpente, mas que entre nós “choca” qualquer coisa, choca.
A aprovação deste Orçamento, que deve ser assumida como um acto político patriótico – porque o país está asfixiado pela dívida exterior – não nos deve deixar eufóricos, porque este é o Orçamento que nunca gostaríamos de ter tido de aprovar.
Mas este acto patriótico não mata o ovo da serpente. Ele está aí, alimentado pela ameaça da instabilidade política irresponsavelmente prometida pela direita, pela descrença que a oposição proclama na incapacidade de o mesmo pode ser executado e sobretudo, porque, exceptuando Sócrates (honra lhe seja feita) ninguém quer assumir um discurso de esperança e confiança: nem o principal partido da oposição o faz, nem os sindicatos (recordo o exemplo dos sindicatos alemães depois da queda do nazismo, que talvez por se lembraram do “ovo” que ajudaram a chocar, estiveram cerca de 40 anos sem fazer uma única greve), e sobretudo, nem o Presidente da República – mais interessado em esmagar Manuel Alegre à custa desta crise – que deveria, com a autoridade inerente ao cargo, solidarizar-se com o Orçamento aprovado.
Por isso ele continua aí, a chocar, à espera de parir uma outra serpente, porventura não tanto sanguinária como a serpente nazi, mas igualmente totalitária, uniformizadora, impositora da completa desregulação das leis sociais, impositora de um novo poder, que resultará da conjugação de interesses entre os mercados neo-liberais, do poder judiciário, bem acolitados pelos novos “Goebels” da actualidade, que são os meios da comunicação social, propriedade dos grandes grupos económicos.
Quando isso acontecer, a história repetir-se-á: primeiro acabam-se com os partidos ( e não isento os partidos de erros, mas não há democracia sem partidos) e inventam-se os “novos judeus” para perseguir: os imigrantes; de seguida entrega-se o poder a uma “república de juízes” bem apoiados pela nova comunicação social, propriedade dos grandes grupos económicos.
“Esmagar este ovo” é um dever de todos, só possível com seriedade, responsabilidade e sentido do dever.

11/24/2010

AS DUAS GREVES GERAIS

Embora ainda seja cedo para se tirarem conclusões de números finais, não tenho dúvidas nenhumas em admitir que esta greve geral atingirá uma proporção muito significativa. Seria de estranhar se fosse ao contrário.
De facto, as consequências do Orçamento aprovado, serão muito pesadas para as famílias das pessoas em geral e dos trabalhadores por conta de outrem, em particular. Admito mesmo, que para alguns sectores, serão devastadoras.
Não é relevante, para esta reflexão, debater as razões pelas quais se chegou a este ponto. Para uns, resultado de má governação, para outros, nos quais me incluo, consequência da crise internacional, imobiliária, financeira e económica da responsabilidade da orientação económica neo-liberal, decidida nos inúmeros “G 20” e cimeiras mundiais.
Importa sim, perceber se esta greve geral contribui, ou não, para ajudar a ultrapassarmos esta crise. Sobre isto, admito que tanto pode ajudar, como pode ter um efeito ainda mais pernicioso. Começo pelo efeito negativo, pernicioso:
Se esta greve, politicamente cavalgada pelo PCP e pelo BE e apreciada com simpatia por alguns sectores da direita, ajudar à instalação de um clima de ingovernabilidade, cujas consequências levarão o país a uma maior dependência do exterior com todos os agravamentos económicos e financeiros” possíveis e imaginários” para as famílias em geral, ela será muito negativa. Para além do mais, uma leitura politizada desta greve geral, criará uma situação muito delicada para um eventual governo que substitua o actual, que, ao não descolar-se da greve geral, poderá estar a transmitir a ideia da reversibilidade a curo ou médio prazo, das medidas agora aprovadas neste OE, ideia que, naturalmente não poderá cumprir…
Não admira assim, que esta greve seja particularmente acarinhada pelo PCP e pelo BE (não aspiram ao poder e portanto não sentem a necessidade de tomar medidas concretas) mas, espanta alguma complacência de alguns sectores do PSD, reveladora de quem ou não tem visão a médio/longo prazo ou, de quem quer é chegar ao poder depressa e a qualquer custo.
Como é que, em meu entender, esta greve geral poderia ajudar no combate à crise?
A resposta é, quanto a mim, simples: se ela tiver um efeito tribunício, isto é, se ela servir para afastar as massas mais duramente atingidas pelos efeitos das medidas tomadas de acções de insubordinação ou revolta social, substituindo essa possibilidade, por este meio poderoso, incómodo, mas previsto pelo sistema democrático, e portanto legal.
É que não estamos livres de uma qualquer explosão social, do tipo grego ….


10/28/2010

A ZARAGATA


O rocambolesco processo negocial entre Governo e PSD parece que terminou, para já, com uma zaragata, bem ao tipo daquelas que se verificavam na “aldeia gaulesa de Asterix”.
Portugal, está cada vez mais parecido com a aldeia gaulesa, só que, infelizmente para nós, não temos a poção mágica.
Contudo, nada nos livra de que o “céu nos possa cair em cima da cabeça” e, se não houver entretanto bom senso por parte de quem negoceia, e em especial por parte do PSD, esse dia pode ser já “amanhã”.

9/23/2010

DECLARAÇÃO DE VOTO

A Assembleia da República rejeitou, na sua sessão plenária do passado dia 17 de Setembro, o Voto n.º 60/XI/2ª de condenação pelas acções levadas a cabo pelo Governo francês que visam a expulsão de cidadãos ciganos, apresentado pelo Bloco de Esquerda.

Embora possa compreender que assiste aos governos democráticos o direito de procurarem zelar pela tranquilidade e segurança dos seus cidadãos, e que na origem destas medidas assumidas pelo Governo francês, se possam encontrar razões que potenciam um sentimento de vitimização e insegurança das suas populações, entendo que qualquer medida tomada para afastar esses mesmos sentimentos de insegurança, devem ser enquadradas no quadro legal das leis nacionais e internacionais, às quais os países tenham livremente aderido.

Acontece, que todas as decisões vindas a público assumidas pelo Governo francês no quadro deste assunto, têm veiculado uma vontade de castigar e perseguir o todo em detrimento da parte.

O Governo francês não se limitou a agir contra os cidadãos que infringem a lei, preferindo assumir uma perseguição e punição de toda uma comunidade, o que, em meu entender, se torna intolerável.

Ao promover esta acção de repatriamento de ciganos, o Estado francês está não só a colocar em causa os próprios fundamentos sobre os quais se tem vindo a construir a nossa cidadania europeia como, está, a violar, os próprios direitos da pessoa humana.

A Assembleia da República, em meu entender, deveria ter-se associado à resolução entretanto aprovada pelo Parlamento Europeu.

Por estas razões apontadas, informo que votei de acordo com a orientação da minha bancada parlamentar, na obediência do conceito – com o qual me identifico – da disciplina de voto, mas que, no quadro de ausência de uma outra moção apresentada pelo meu grupo parlamentar, e sem essa obrigação do cumprimento da disciplina de voto, teria votado a favor da moção apresentada.


Miguel Coelho


Grupo Parlamentar do Partido Socialista

Lisboa, 21 de Setembro de 2010

8/12/2010

UMA JANELA DE OPORTUNIDADE

À medida que o verão aperta verificamos que – e apesar das tentativas rascas de voltar a recolocar o caso Freeport na agenda – a temperatura política, em contraste com a meteorológica, arrefeceu. Mesmo a trágica onda de incêndios, porventura porque se tem a consciência de que as autoridades de protecção civil têm reagido de um modo coordenado, não tem servido de pasto para aproveitamento político, o que, aliás – e oxalá não me engane – poderá revelar alguma maturidade por parte das oposições. Parece-me assim importante abordar a questão das presidenciais, tema que forçosamente estará na ordem do dia nos próximos tempos.
Começo por uma declaração de interesses: apoio Manuel Alegre há mais de um ano (e ele sabe disso) e, ao contrário da opinião de muitos, julgo que haverá, ainda, uma janela de oportunidade para a sua eleição, embora essa mesma janela, não vá estar sempre entreaberta.
Cavaco, pela ambiguidade com que geriu a coabitação (que “bela” comissão de inquérito não teria dado o caso Fernando Lima, até ao momento única situação comprovada de condicionamento da comunicação social por parte do poder político, tentativa contra o “Estado de direito”) e pelo modo específico como descontentou uma certa direita mais ideológica, não fora a profunda crise económica que atravessamos, poderia estar em maus lençóis.
Estas dificuldades estruturais de Cavaco poderão constituir a tal janela de oportunidade para Alegre, mas parece-me que ainda não está a ser devidamente aproveitada.
É preciso que Manuel Alegre desfaça rapidamente o equívoco que deixou criar com o surgimento em cena, fora de tempo, de Francisco Louçã, e que se dirija, sem complexos, mas também sem arrogâncias, aos militantes e eleitorado do PS. Que admita as dificuldades construídas com a sua passagem recente pelo Parlamento, que admita eventuais erros e naturalmente méritos, mas que assuma sempre a sua condição de socialista.
Só se conseguir mobilizar os militantes do PS é que terá um “exército” para este combate.
Em simultâneo tem de dar combate a Cavaco.
Denunciar-lhe a agenda (escondida) de desestabilização política, apontar-lhe os erros e as graves tentativas de condicionamento da opinião pública mediante a utilização da sua equipa de assessores e a tentativa de procurar agora reescrever a sua própria história, são pontas por onde deve pegar.
Em simultâneo, tem de apresentar o seu modelo para a Presidência e mobilizar para o voto os tradicionais abstencionistas.
Se houver uma segunda volta, Alegre ganha.
Penso que se perdeu algum tempo, mas com determinação ainda se poderá recuperar.

7/30/2010

A DIREITA PRAGMÁTICA

A direita neo-liberal que tão raivosamente ataca o passado militar de Manuel Alegre é aquela mesma direita que há 4 anos atrás elogiava o seu perfil, como contraponto ao de Mário Soares. Isto apenas confirma um facto, para mim, há muito adquirido: a direita não tem ideologia, não tem princípios e apenas se move pelo exercício do poder.
Há 4 anos, quando pensavam que o perigo era Soares, logo procuraram encontrar qualidades em alguém, que no seu entender, poderia minar esse mesmo perigo. Enganaram-se redondamente, como os resultados das eleições o demonstraram.
Agora, cientes do cinzento mandato de Cavaco, através da mesma imprensa que utilizaram para elogiar Alegre, desatam a encontrar-lhe defeitos e a atacar o seu passado – sem mácula – enquanto homem militar.
A esquerda democrática é muito mais elegante e benévola para com a direita. Reconhece qualidades em homens como Adriano Moreira e confere-lhe – justamente – o estatuto de grande intelectual. A esquerda, acha compreensível que pessoas como Cavaco ou Freitas do Amaral, já adultos ainda no tempo do fascismo, só tivessem adquirido consciência política democrática após a Revolução de Abril. A esquerda, até reconhece à ala liberal de Sá Carneiro, algum papel de relevo na denúncia da farsa de abertura inventada por Caetano.
Esta tolerância da esquerda contrasta com esta incapacidade da direita em lidar de um modo liso com os seus adversários, revelando o seu lado pragmático de apenas se movimentar pelos interesses e pelo poder.
Manuel Alegre é que não tem culpa nenhuma de ter sido um resistente consequente ao regime fascista.